Um passeio ao cemitério
A história que vou contar aconteceu em meados de 1992, quando eu tinha 16 anos de idade.
Eu era gótica, um movimento bastante vivo na época, que vivia em luto pelas tristezas do mundo.
Me vestia de preto, batom e unhas pretas e andava com jovens de afinidade igual. Frequentava um barzinho chamado Madame Satã, estilo gótico. Músicas a rigor, decoração inusitada, com abóboras acesas com velas, sofás rasgados, um candelabro gigante, cheio de velas, desenhos de caveiras e outras coisas com tema de morte, com pessoas sinistras andando de um lado para o outro, com maquiagem sombrias.
(Atualmente tem o nome de Madame Underground Club, situado à Rua Conselheiro Ramalho, próximo ao Bairro do Bixiga.)
Era entrada free até meia noite. O que combinava com o pouco dinheiro que restava para uma garrafa de vinho barato.
Ficávamos curtindo o som, os outros góticos e o ambiente, pois o espaço era muito combinativo (para quem curtia o movimento).
Depois que o bar fechava, caminhávamos até o cemitério da Consolação, pulava o muro e dormia em algum túmulo até dar a hora do metrô abrir.
Às vezes, íamos antes ao cemitério. Saía na sexta do trabalho, já com a mochila e a roupa preta para me vestir em algum banheiro público.
Passava no mercado para comprar o vinho e depois numa loja de artefatos religiosos. Levava umas velas pretas para acender dentro de um mausoléu que tinha um de seus portões caídos.
Tinha um grande degrau para descer, era estreito lá dentro, havia prateleiras, uma de cada lado com uns sacos azuis. De certo, com ossadas humanas.
No espaço estreito, cabiam umas 4 pessoas sentadas.
Acendíamos as velas e bebíamos vinho enquanto contávamos histórias sinistras de espíritos que vagavam entre nós.
Eu tinha dois amigos mais frequentes, e fazíamos esses passeios sempre juntos.
O Léo morava próximo ao Bixiga e também era gótico. Ele se vestia como o Robert Smith, vocalista da Banda The Cure. Usava um terno meio desleixado, escuro, gel nos cabelos negros e bagunçados, olhos contornados grosseiramente com lápis preto e batom vermelho nos lábios.
Eu e Léo chegamos a namorar uma época, acho que por uma semana, mas no fim, continuamos amigos, pois não tínhamos nada haver um com o outro.
O outro amigo, não me recordo bem o nome, mas o apelido era Bob, acredito que por causa do Bob Cuspe, pois o meu amigo era punk, um movimento ainda bastante vivo na época.
Todos com 15, 16 e 17 anos de idade.
Em um desses passeios, estávamos, os três trepados na grade do portão do cemitério, prontos para pular para o lado de dentro, eis que passa um carro de polícia.
Os policiais param e nos mandaram descer e colocar as mãos na parede.
Nunca havia acontecido algo parecido com nenhum de nós, ficamos morrendo de medo.
O Léo quase chorou...
Os policiais pediram endereço, telefone e documentos. Eu inventei um endereço qualquer, mas telefone, falei que não tinha e mostrei minha identidade.
Léo abriu sua carteira para pegar o documento e o policial viu um papel com um número de telefone, que, por azar, era do meu trabalho (sim, trabalho desde os 11 anos de idade e dessa vez numa lojinha de produtos importados do Japão).
O policial viu o papel e perguntou de quem era o telefone. O imbecil do Léo disse que era do meu trabalho (ódio é apelido).
Nos colocaram dentro da viatura e fomos direto pra delegacia, se não me engano, na Rua Augusta ou próximo dali.
Chegando lá, o delegado saiu de uma sala se esticando, como se tivesse acordado naquela hora...
Meu Deus...
Que tragédia...
Acordamos o delegado!
Delegado gritou: "O que que essas porras tão fazendo aqui?"
Os policiais responderam que estávamos pulando o portão do cemitério.
E nós permanecemos mudos e calados.
Delegado ainda gritando e bem bravo: "Porque não vão trepar no motel?!"
O delegado parou e olhou bem pra gente e se dirigiu ao Léo com visual do Robert Smith: "O que é isso?"
Léo (quase sem fôlego): "Eu sou gótico".
Delegado: "Você é um 'idiótico'! Pensei que era um traveco voltando do trampo!"
Não consegui conter uma silenciosa risada...
O delegado nos mandou embora (ainda bravo) e disse para que parássemos de entrar em cemitérios à noite, que podíamos topar com bandidos e estupradores.
Era a mais pura verdade, hoje me conscientizo disso...
Os policiais foram bacanas, ofereceram uma carona até o metrô e aceitamos.
E, a partir dessa noite, nunca mais invadí qualquer cemitério.
Eu conheci o madame Satā…hahaha…Fui com minha irmã que usou graxa na boca porque batom preto era muito caro na época 🫣🤣😂
ResponderExcluirNa... É vc? 🤣🤣🤣
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