Não sei se você já teve uma experiência assim como a que estou passando nesses dias.
        Na verdade, acho que são anos...
        Não sei explicar em palavras, mas vou tentar.
        É como se estivesse presa em uma jaula. Muitas pessoas do lado de fora tentando me ajudar e algo não me deixa sair.
        Esse algo, posso materializá-lo para exemplificar, é um ser feito de coisas do passado.
        Para nos familiarizarmos, vou dar um nome a ele: Zé. Nome bem simples.
        Na verdade, eu quem o trouxe à vida.
        Desde muito jovem, ele surgiu. Era muito pequeno, e não me dei conta de que era um ser que me separaria do mundo externo.
        Se parecia mais com um objeto qualquer, que carregava comigo para todos os lados.
        Com o passar do tempo, ele cresceu.
        Não percebi, mas eu o alimentava e o nutria todas as vezes que sofria em silêncio.
        Acho que era a tal de resiliência.  Deixei-a entrar.
        Ela dizia para ser forte e continuar adiante.
        Dizia que reclamar acumulava mais sofrimentos. Então me calei e segui adiante. Os olhos lacrimejantes, mas o sorriso no rosto sempre dizendo: "vou vencer".
        E Zé se alimentava daquela tristeza entranhada, daquele "cálice" de amagura e medo guardados dentro da alma.
        Uma voz sempre dizia que ser cordial e ajudar as pessoas é algo a se fazer para o resto da vida.
        Já é tão difícil de viver, mas quando uns ajudam os outros, as coisas ficam mais fáceis.
        Mas ajudar a pessoa certa é que é difícil...
        Quando você ajuda, é o que importa. Vai ficar guardado para sempre.
        Mas é muito complicado quando você ajuda pessoas que não têm gratidão e, com todas as garras, te atacam, fazendo sangrar...
        Zé se alimentou também desse sangue com gosto de ingratidão. Ele crescia a cada dia.
        Ajudar é bom. Traz um sentimento de missão cumprida. Mas isso me gerou muito medo. Medo que alimentou muito bem o Zé.
        Eu tenho lá diversas posturas incertas, deslizes, atitudes mal pensadas...
        Atitudes que me trouxeram muito trabalho a fazer para compensar todo o malfeito.
        Às vezes, isso tudo se molda como uma lâmina pontiaguda e me corta por algumas horas.
        Zé, muito do esperto, se alimenta das dores enquanto isso.
Depois faço um curativo e logo sara por causa da tal resiliência, ela sempre me faz sorrir, mesmo sem vontade e vence com a ladainha de que vai passar.
        Com tantas movimentações, não me dei conta tão cedo de que Zé estava construindo uma espécie de jaula ao meu redor.
        Zé pausava suas construções enquanto eu unia minhas mãos em oração.
        Mas, ainda continuava a crescer devido às ondas de adversidades que surgiam naturalmente na vida e que, junto, lançava os medos e amarguras sobre Zé. Este se contentava e crescia forte ao meu lado.
        Zé me colocou uma venda nos olhos. Essa venda não me deixava ver muito bem as pessoas que se aproximavam.
        Mas eu sentia tanta vontade de conversar e de rir com outra pessoa.
        Zé distorcia minha alegria, colocava uma névoa escura sobre os laços que eu fazia e assim foi me trazendo para o centro da jaula e construindo suas grades.
        Por causa da tal Resiliência, ainda persisto em tentar sair algumas vezes. Mas Zé fica ali do lado, recostado em uma cadeira, com o cotovelo sobre a mesa, olhar ressabiado, me esperando voltar com algum alimento.

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